A Terra e as Gentes

Barco

Foto: Diamantino Gonçalves

Um Povo com muito carácter…

Cortejo do Barco, na Covilhã, no arco do antigo Quartel de Infantaria

“Barco, Barco, Barco!

  Grita o povo em geral.

  Terra tão formosa

  Não há igual em Portugal”.

 

Bairrista, amante da sua aldeia, orgulhoso do seu passado, o Povo do Barco é gente simples, temente a Deus e laboriosa. Unido nos desafios colectivos e sempre galhardo fora de portas.

A marca das tradições

Pastorinhos da Argemela

Com que atirais vós ao gado?

Julgais ser com pedras,

Mas é com ouro encantado.

 

Em alguma das estreitas ruas do Meio, o núcleo primitivo da aldeia, ainda é possível encontrar “a casa de três pisos, o primeiro destinado aos animais, alfaias e arrecadações, os outros dois ligados à habitação por uma escada interior de madeira. As paredes (…) de xisto com cunhais, vergas e ombreiras de granito. As varandas de pau situam-se no último piso”. Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano que, nos anos 50 do século passado, fizeram no Barco fotos e recolha para a obra “Arquitectura Tradicional Portuguesa”.

As narrativas em redor do rio e da serra da Argemela fazem também parte do “livro das tradições”.

Procissão Barco irmã Tina

Os usos e os costumes

O ciclo das sementeiras e das colheitas, mais o calendário religioso determinavam o quotidiano dos barquenses, trabalhadores do campo, pastores, fiandeiras, artesãos e gente do rio.

Nas famílias, numerosas em regra e a coabitarem duas e três gerações, a singeleza e a união faziam a sobrevivência e fortaleciam hábitos e maneiras de ser.

Com a Primavera vinha o amanho das terras e a ida ao mercado do Fundão para comprar o porco de engorda anual. Depois das sementeiras, o rio e os lodeiros ocupavam a população: era preciso tocar a roda para regar o milho colhido pelo São Miguel, passada a Santa Luzia. Nos meses de Inverno, fazia-se a matança, os homens andavam ao dia na apanha da azeitona, o frio e as geadas metiam a gente em casa, o rio ia de “mar a monte”, a barca levava e trazia os do “quilo e do salta e pilha”.

Na igreja, o sino lembrava a hora das orações e o chegar das festas, as maiores a do Mártir S. Sebastião, no fim de Agosto, e a de São Simão, fim de Outubro. A Páscoa, na segunda-feira festejada em romaria de casa em casa, punha fim ao recolhimento da Quaresma, aos dias marcados pelos Penitentes e pela Encomendação das Almas. Podia o Povo, então, armar os bailes de concertina e tocar a Música dos Pífaros.

Algumas personalidades

Bispo Dom Jerónimo

da Soledade do Barco

Dom Frei Jerónimo da Soledade do Barco foi importante figura da Igreja portuguesa no século XIX. Nasceu no Barco, em 1774, com o nome de Jerónimo Antunes Ramos, e morreu em Lisboa a 30 de Junho de 1852. Fez as primeiras letras com o Pároco do Telhado e, jovem, professou no convento dos franciscanos da Franqueira, em Barcelos, da província da Soledade, onde ensinou mais tarde teologia e filosofia. Voltou ao Barco, em 1820, talvez pela última vez, para ver a família, os pais, uma irmã e três irmãos, dois deles sacerdotes, na Barroca e em Dornelas.

Em 13 de Maio de 1818 foi eleito bispo de Cabo Verde, confirmado pelo Papa em 1820. Eleito deputado às cortes de 1827, renunciou à Diocese ultramarina e regressou ao Reino, onde exerceu cargos importantes na Coroa e na Igreja.

Foi um bom representante da igreja militante nacional, contestatária do Novo Regime, tendo sido presidente da Sociedade Católica e da Associação da Propagação da Fé.

No dia 30 de Junho de 1852 expirou o afamado bispo e o funeral foi a 2 de Julho, ficando os despojos mortais na igreja de Nossa Senhora da Conceição da Carreira, pertencente ao Paço da Bemposta, onde atualmente é a Academia Militar.

Jaime Fernandes

Nasceu no Barco, em 1899, de uma família de remediados lavradores e morreu em Lisboa em 1969, depois de 31 anos no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda. Pai de seis filhos, (um deles, falecido à nascença) vivia a tranquilidade do campo, até ser internado.

Nos últimos anos de vida, Jaime fez, impulsivamente, centenas de desenhos e pinturas. Margarida Cordeiro, médica, encontrou valor expressivo e artístico nos trabalhos de Jaime que passava dias inteiros a escrever, e mais tarde, a desenhar e a pintar. Outros se interessaram, entre eles António Reis, que realizou um filme “Jaime”, estreado em Maio de 1974.Os quadros de Jaime foram para coleções expostas em Lisboa (na Fundação Gulbenkian), na Suiça e em Nova Iorque, integrando o movimento de “art brut”.Alguns quadros estiveram expostos no Barco em 1993.

Jaime Fernandes morreu em Março de 1969.

Padre Curto

Personalidade marcante do sec. XX, no Barco, o Padre Manuel Duarte Cândido Curto foi um homem de cultura, bondade, firmeza e religiosidade. Nasceu na Covilhã, em 19 de Dezembro de 1921. Filho varão de uma família de grande fervor religioso, ingressou no seminário, sendo ordenado sacerdote em 13 de outubro de 1946, na Sé da Guarda.

Sucedendo ao Padre Albertino Santos Vale, também de boa memória, tomou conta da paróquia do Barco em 2 de fevereiro de 1949 e, daí em diante, dedicou sessenta anos da vida ao trabalho sacerdotal e à comunidade. Dinamizador dos grupos da Igreja, era firme na imposição da catequese e envolvente na relação com a juventude, através da criação do Escutismo (23 de abril de 1956), do incentivo ao desporto – jogava futebol de batina arregaçada – e às atividades culturais, como o teatro e o cinema.

No final dos anos 50, mobilizou a população para construir uma nova igreja, face à degradação e quase ruína da velha igreja de S. Simão, datada do início do sec. XVII. O projeto (1958) enquadra-se no Movimento de Renovação da Arte Religiosa, resposta de jovens arquitetos e artistas ao conservadorismo da arquitetura sacra em Portugal.

O Padre Curto assumiu oposição ao regime desta forma e também através da pastoral diocesana da emigração e da divulgação da literatura e do cinema proibidos pela censura. Acreditava no valor da instrução e incentivava os pais para mandarem os filhos estudar.

Com a emigração o povo diminuía e a velhice do Padre Curto fez-se serenamente nas Obras da Igreja e, discreta e bondosamente, no apoio aos idosos e aos necessitados.

Faleceu em 04 de Junho de 2009.

A Família Falcão

Na última década do século XVIII, nasceu, no Barco, António Borges de Carvalho. Afilhado do Padre António, do Pesinho, seguiu igualmente a carreira sacerdotal, apesar do que veio a ser pai (com Maria Vitória, natural do Barco) de Maria Angélica Borges de Carvalho. A filha do “Reverendo Doutor António”, ao casar com José Fernandes Galvão, de uma abastada família do Tortosendo, deu origem à descendência que dominou praticamente todos os aspetos da vida económica, social e privada na povoação do Barco desde o sec. XVIII, até aos meados dos anos cinquenta do século XX.

 Maria do Carmo Falcão (casada com Elvino da Cunha Tarouca) sucedeu à mãe, Maria Apolinária de Borja Galvão Falcão, na direção das propriedades e dos interesses da casa de família, no Barco, Teixoso, Tortosendo, Covilhã, e Idanha. Após o casamento, mudou-se para Alpedrinha, enquanto as irmãs se radicavam em Lisboa e Covilhã e o irmão em Coimbra.

No início da segunda metade do século passado, as terras, as propriedades da família foram sendo vendidas: no Tortosendo, a Quinta do Prazo é agora do seminário do Verbo Divino e, no Barco, nos terrenos do Sumagral e da Argemela se estabeleceram “as minas da companhia inglesa” da Beralt tin & Wolfram. Na moradia da família (um edifício rural, no centro da povoação, com várias divisões e traço senhorial) está atualmente a ARPAZ.

Monsenhor Matos

Pelo batismo a 12 de Abril de 1885, aquele que viria a ser Monsenhor recebe o mesmo nome do pai e do avô paterno, Luís. A mãe, Maria de Jesus Nunes, era proprietária e natural do Telhado.

Após as “primeiras letras”, ingressa no seminário da Guarda e é ordenado sacerdote em 1907. Luís Mendes de Matos vai destacar-se na Cúria Diocesana, como jornalista e político regional, sendo deputado na Assembleia Nacional, entre 1942 e 1949. Aí terá influenciado na localização da ponte sobre o rio Zêzere, inaugurada em 5 de junho de 1955. Apoiante da nova igreja do Barco, oferece a casa de família que é vendida e o valor reverte para a construção. Participa na inauguração, em 1964. Faleceu, na Guarda, em 23 de Maio de 1975.

César Brito

Mais novo de oito irmãos, Cesar Gonçalves de Brito Duarte nasceu em 21 de Outubro de 1964, na rua das Escolas, a pouca distância do campo de futebol do Barco. E foi pelo futebol que viria a tornar-se conhecido como jogador do Sport Lisboa e Benfica e da Seleção Nacional.

No Sport Clube do Barco foi campeão distrital e sobressaiu na 3ªDivisão Nacional como avançado marcador de golos. Passou pelo S. C. da Covilhã e ingressou no Benfica na época de 1984/85. Foi campeão nacional 4 vezes, ganhou 3 Taças de Portugal e uma Super Taça. Representou a Seleção Nacional de Futebol 14 vezes. No final da carreira de futebolista voltou à terra natal, o Barco, onde vive.